domingo, 9 de dezembro de 2012

A melhor crítica a um livro de Jô Soares

Eu tinha lido esta crítica há bastante tempo e por algum motivo o texto se perdeu. Mas eis que reencontro aquela que é, na minha opinião, a melhor crítica para um livro de Jô Soares (clique AQUI), feita pelo escritor Juremir Machado da Costa.

Pessoalmente, só consegui ler "O Xangô de Baker Street" - mais pela propaganda e também porque tinha curiosidade em conhecer a prosa de Jô Soares. Foi o suficiente. Vamos ao texto:

Assassinato na literatura brasileira 
(Juremir Machado da Silva)


É incrível a minha atração por lixo cultural. Eu não posso ver um livro ruim sem ter de comprá-lo. Pior ainda, leio a coisa do início ao fim. Sou o leitor ideal. Marcho sempre. Neste ano, já me atolei no lixão cultural com “O Código da Vinci” e “O Zahir”. Não bastou. Ao me deparar com “Assassinatos na Academia Brasileira de Letras”, de Jô Soares, enfiei a mão no bolso: lixo é comigo mesmo. Livro bom as editoras me mandam. Livro ruim eu compro.

Li de uma sentada. Foi horrível. Mas resisti bravamente e cheguei à última linha conhecendo o assassino desde a primeira. Jô Soares conseguiu: “Assassinatos na Academia Brasileira de Letras” é o pior romance que li nos últimos dez anos, tempo que costumo levar para eliminar traumas. 

A estratégia do autor é perfeita: simular o estilo pomposo dos piores acadêmicos para fazer rir. A imitação é tão boa que o texto é insuportável do primeiro ao último parágrafo. Só tem uma falha: a gente não ri nunca. Mas isso não passa de um detalhe. Uma crítica honesta precisa destacar a inteligência de Jô Soares ao transformar o seu pior defeito em qualidade, o uso do clichê como clichê. Há uma fusão impecável. Lê-se um clichê e, por trás dele, há, sem tirar nem pôr, um clichê. Jô usa o recurso com tamanha sofisticação que até a ironia embutida desaparece para não estragar o efeito clichê.

Como não se deslumbrar com expressões tipo “passaria por um legítimo latin lover do cinema americano”, “vaidoso como poucos”, “nunca se furtava a declamar seus versos poucos inspirados”, “diga-se a bem da verdade”, “esfuziante como um adolescente”, “vestia-se com apuro”, “no afã de se vestir”, “embevecido”, “num momento de enlevo”, “um primor de conciliação”, “assemelhava-se a um imperador de opereta”, “precioso manancial de informações”, “animada colcha de retalhos”, “disputavam a peso de ouro”, “com afinco admirável pontificava”, “emitindo uma gargalhada tenebrosa e proferindo um grito desvairado”, “fulo de raiva”? Em alguns casos sente-se a tentação autobiográfica, “a droga usada era menos intoxicante do que a sua prosa”. 

Com certeza, nem a poluição de São Paulo seria mais nociva à saúde dos leitores do que a prosa de Jô Soares. Às vezes, o poeta revela-se ameaçando desbancar de Rimbaud a Fernando Pessoa, “relâmpagos festejavam a tempestade” ou “seu andar lembrava a leveza dos felinos antes do bote”. Definitivamente, Jô Soares sem a sua equipe de redatores pode deixar o público “fulo de raiva”.

Obviamente, “genial” como dizem que é, Jô sabe que está escrevendo mal e só faz isso para brincar e provar o quanto é capaz de travessuras. Leva o exercício tão longe que acaba acreditando no próprio fingimento, esquecendo-se de escrever bem, ao menos durante algumas linhas, para despertar os distraídos.

Na disputa com Dan Brown e Paulo Coelho, Jô Soares ganha fácil: escreve muito pior. Pensem bem, bater os dois nesse quesito não é para qualquer um. Chapeau! O humorista enriquece o livro com uma erudição de almanaque capaz de fazer do Google uma nota de rodapé à cultura inútil.
Todos os ingredientes do lixo cultural estão reunidos: esoterismo, charadas, gênios da cultura universal, citações papo-cabeça e até o tradicional acerto de contas. 

Jô cria um personagem frustrado e medíocre para encarnar os que criticam os imortais e, por extensão, os bem-sucedidos. Além de um gordo simpático e talentoso que vive do amor pela arte. Degustemos um pequeno exemplo mais encorpado do estilo de Jô Soares: “O estabanado falastrão acabara de liquidar a vantagem que levavam sobre o assassino”. Não estão percebendo a ironia, o sarcasmo, a metalinguagem, a intertexualidade, toda a história da literatura policial revisitada e transformada em delicioso motivo de admiração e de zombaria? Não, não estão percebendo? Nem eu. Tudo isso deve estar mais claro nesta outra passagem: “O coração de Lauriano escapara ao horrendo festim”.